Tem gente que não admite a dependência e acha que pode viver com a droga e levar uma vida normal. Tem gente que me diz:
– Eu paro quando eu quiser…
Então eu pergunto:
– E por que não para?
E a pessoa leva na piada para me responder:
– Eu não paro porque eu não quero.

Uma moça estava me falando sobre como a maconha era boa. Ela me dizia o tanto que gostava da maconha que estudava bem, se alimentava bem e estava tudo normal. Eu deixei ela falar e até concordei com ela dizendo que estava até me dando vontade de fumar e que era uma coisa muito boa mesmo. Ela pareceu um pouco assustada, mas eu estava dizendo, entre linhas, que eu sabia do que ela estava falando. Eu já tinha passado por este caminho que ela estava naquele momento. Ela até chegou a perguntar se eu estava limpo mesmo…

A droga que eu mais tive dificuldade de deixar foi a maconha, porque ela é envolvente mesmo. Como eu já tinha ganho a confiança dela e ela viu que eu estava muito à frente na caminhada, continuamos a conversa. Mas olhando para aquela jovem eu a fiz pensar e recapitular sua vida. Eu perguntei:
– Você já perdeu algum compromisso por causa da maconha?
– Ah, vários. Perdi algumas provas que me fizeram falta, que me deixaram em DP. Já perdi, sim. Eu estava fumando maconha e esqueci do tempo e perdi a hora. – Disse ela.
– Você já perdeu algum relacionamento?
– Já, mas ganhei muitos também por causa da relação com a maconha. – se defendeu ela.
– Não estou falando de relacionamentos com pessoas que gostam de você porque você tem maconha, mas de pessoas que te amam pelo que você é, te amam incondicionalmente, não pelo que tem no bolso e se está com droga. Você já perdeu algum relacionamento assim? – Esclareci a pergunta para ela.
– Já – ela respondeu –  eu comecei a usar maconha e eles pararam de andar comigo porque as ideias não batiam. Eram pessoas que me amavam e que eu as amava também.

– Bem, relacionamentos perdidos, tempo perdido, compromissos perdidos e dinheiro, não é? Você falou da alimentação, que come bem, é a tal da ‘larica’, não é? Já comeu um pão bem velho com catchup gelado no meio da madrugada e achou gostoso porque tinha fumado maconha? Porque é isso que a maconha faz… você come pedra.
– Verdade – ela concordou comigo – já me vi revirando cada coisa na geladeira…

Ela reconheceu os efeitos que estava tendo. Isto, no fim das contas, não é prazer. Estamos falando de perdas de sensibilidades simples. O prazer de ter resultados, o prazer dos relacionamentos, da conquista e o orgulho de si mesmo. A pessoa começa a atrasar 10, 15, 20 minutos. Se há alguém para cortar é aquela pessoa, seja na empresa, nos relacionamentos, nas bênçãos. A gente vê que o olfato, o paladar e até o tato são afetados.

Eu já estava em situação de rua por causa da droga e uma vez uma senhora me disse que não ia me dar dinheiro, mas que me pagaria um sorvete e me perguntou qual sabor eu queria. Eu falei:
– Ah, qualquer um…
Ela comprou um sorvete de coco e eu saí. Por um momento eu me conscientizei… eu tinha virado uma porcaria de homem e nem o sabor que eu gosto de sorvete eu fui capaz de pedir. Eu tenho plena convicção de que gosto de sorvete de morango e com pedacinhos de morango, melhor ainda, mas naquele instante eu pedi qualquer sabor porque o que eu queria não era sorvete, eu só queria drogas.

Fiquei me perguntando: “Que comida que eu gosto?”. Naquele momento cheguei à conclusão que não sabia mais, que qualquer comida estava bom e eu comeria. Qualquer sabor estava bem, porque eu queria só drogas. Eu pedia pão velho para me suster, porque o que eu queria era droga.

As  vezes eu ia numa churrascaria e eles sempre me davam alguma coisa. Eram carnes boas mesmo. Um dia eu estava com fome e ganhei duas marmitas, mas eu sabia que o gordo da borracharia me daria R$ 10,00 por cada marmita. Ele exigia que as marmitas não fossem abertas, se não, não pagaria. Eu continuei com fome, peguei os R$ 20,00 e fui comprar duas pedras de crack.

Existem fatos que aconteceram que quando eu conto para algumas pessoas que estou atendendo, elas me olham como se nunca fossem chegar nesse ponto. Na verdade, eu sei porque pensam assim, pois, eu também pensei que nunca ia chegar onde cheguei. Olha só o ponto que cheguei… um traficante uma vez me disse que não me venderia droga, porque ele tinha acabado de ver minha esposa passar me procurando. Ele me dizia:
– Eu não vou te vender droga hoje. Você é um cara inteligente, de boa aparência, sua esposa acabou de passar pela rua ai te procurando, ainda pode voltar para a sua família. Não vou te vender hoje. Continuou ainda: – Você já foi preso?
– Que preso, o que, cara? Eu sou esperto! – respondi arrogantemente para ele.
– Continua usando droga que você vai ser preso. – disse ele e perguntou: – Você já ficou em situação de rua mesmo? Não estas fugidinhas que você dá de casa e sua esposa sai te procurando depois você volta pra lá e tem comida, cama e um banheiro pra ir quando quer. Já ficou totalmente sem ter pra onde voltar por causa da droga?
– Imagina, isso nunca vai acontecer comigo! – Disse eu para o traficante.
– Então, continua usando drogas que isso vai acontecer com você! – me aconselhou ele.

Aquele dia ele não me vendeu droga. Eu tive que atravessar a ponte do Jaguaré e ir para uma outra favela buscar droga. Eu estava sendo aconselhado por um traficante… Eu que nunca pensei que ia chegar naquela situação, um dia me vi tomando um sorvete de um sabor que eu nem gosto, fazia tempo que não voltava pra casa e trocava comida por droga.

Uma pessoa não consegue enxergar o que pode acontecer como eu não conseguia.

Depois de um pouco mais de conversa, perguntei se aquela moça que estava na minha frente naquele momento, gostaria de mudar sua vida, um dia de cada vez, mas definitivamente. Ela prontamente disse sim. Oramos, nos abraçamos chorando e a recuperação na vida dela começou. Ela parou de usar drogas. Ela quis parar de usar drogas. Ela luta todos os dias para continuar sóbria. Ela não esta sozinha.